quinta-feira, 16 de maio de 2013

Olha, eu não pertenço a nenhum partido político, não defendo, muito menos gosto de política, mas esses dias estava pensando o que que floresta tem haver com indústria? Sério, na semântica, no modus operante, em tudo?
Realmente eu não entendo porque uma secretaria do governo do estado chama-se Secretaria de  Desenvolvimento Florestal, da Indústria, do Comércio e dos Serviços Sustentáveis (Sedens)? Me digam aí qual o propósito de uma secretaria dessas? Industrializar a Floresta? Ou Comercializar a mesma? E o que são serviços sustentáveis? 
Eu acho que elaborar uma ideia, e colocar no papel, e criar uma secretaria, sem o devido desenvolvimento de seus termos, sem definição dos mesmos, é ter uma criação fictícia.  

Sei lá, só acho. Não sou "entendido" das coisas.

terça-feira, 14 de maio de 2013

A viagem de Chihiro

Esse fim de semana assisti a um filme que me deixou muito curiosa a respeito da cultura do Japão. Tanto que fui pesquisar um pouco mais sobre esse país tão distante, mas tão maravilhoso. O filme era " A viagem de Chihiro", na verdade é um anime (desenho japonês), mas que não deixa nada a desejar em matéria de roteiro ou fotografia. Nossa, é realmente uma viagem, porque agente se depara com cada criatura, com cada acontecimento que prende a nossa atenção. Depois do filme você fica refletindo sobre o que aconteceu ou porque, como por exemplo a fato do bebê da feiticeira ser maior que todo mundo, ou porque ela vira amiga do "sem rosto", ou se o "sem rosto" é do bem ou do mal.
Super recomendo a todos. 


 Japão
2001 •  cor •  125 min
Produção
Direção: Hayao Miyazaki
Roteiro: Hayao Miyazaki
Elenco original Rumi Hîragi (voz)
Miyu Irino (voz)
Mari Natsuki (voz)
Género: fantasia
aventura
Idioma original: japonês
Orçamento: US$ 19 milhões1
Receita: US$ 274.925.0952

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Nossa, hoje estou muito triste.
Essa semana deveria ser de alegria, como era sempre, mas você se foi, e eu não tive tempo nem de me despedir. Todos os dias eu só pergunto: Por quê?
Por quê você se foi tão de repente?
Meu coração chora todos os dias a sua falta.
Você sempre foi meu amigo!
Você sempre esteve presente!
Fostes uma inspiração e seu exemplo deve ser seguido.
Essa saudade está me matando.
Oro todos os dias pra Deus cuidar de você aí no céu.
Eu nunca esquecerei você.
TE AMO!

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Os Naciremas são os Americanos!


“Ritos Corporais entre os Nacirema” – MINER, Horace. A. K. Romney e P. L. Vore (eds.): You and Others – readings inIntroductory AntropologyWinthrop Publishers, Cambridge 1973, pp. 72-76 (Tradução: Selma Erlich).

O antropólogo está tão familiarizado com a diversidade das formas de comportamento que os diferentes povos apresentam em situações semelhantes, que é incapaz de surpreender-se mesmo em face dos costumes mais exóticos. De fato, embora nem todas as combinações de comportamento logicamente possíveis tenham sido descobertas em alguma parte do mundo, o antropólogo pode suspeitar que elas devam existir em alguma tribo ainda não descrita. Este aspecto foi expresso, com relação à organização clânica, por Murdock (1949-71). Deste ponto de vista, as crenças e práticas mágicas dos Nacirema apresentam aspectos tão inusitados que parece apropriado descrevê-los como um exemplo dos extremos a que pode atingir o comportamento humano.
Foi o professor Linton, há vinte anos atrás (1936-326), o primeiro a chamar a atenção dos antropólogos para o ritual dos Nacirema, mas a cultura desse povo permanece insuficientemente compreendida ainda hoje. Trata-se de um grupo norte-americano que vive no território entre os Cree do Canadá, os Yaqui e Tarahumare do México e os Carib e Awarak das Antilhas. Pouco se sabe sobre sua origem, embora a tradição relate que vieram do leste. Conforme a mitologia dos Nacirema, um herói cultural, Notgnihsaw, deu origem a sua nação; ele é, por outro lado, conhecido por duas façanhas de força – ter atirado um colar de conchas usado pelos Nacirema como dinheiro, através do rio Po-To-Mac e ter derrubado uma cerejeira na qual residia o Espírito da Verdade.
A cultura Nacirema caracteriza-se por uma economia de mercado altamente desenvolvida, que evoluiu em um rico habitat natural. Apesar do povo dedicar muito do seu tempo às atividades econômicas, uma grande parte dos frutos destes trabalhos e uma considerável porção do dia são dispendidos em atividades rituais. O foco destas atividades é o corpo humano, cuja aparência e saúde assomam como o interesse dominante no ethos deste povo. Embora tal tipo de interesse não seja, por certo, raro, seus aspectos cerimoniais e a filosofia a ele associada são singulares.
A crença fundamental subjacente a todo o sistema parece ser a de que o corpo humano é repugnante e que sua tendência natural é para a debilidade e a doença. Encarcerado em tal corpo, a única esperança do homem é desviar estas características através do uso das poderosas influências do ritual do cerimonial. Cada moradia tem um ou mais santuários devotados a este propósito. Os indivíduos mais poderosos desta sociedade têm muitos santuários em suas casas, e, de fato, a alusão à opulência de uma casa, muito freqüentemente, é feita em termos do número de tais centros rituais que possua. Muitas casas são construções de madeira, toscamente pintadas, mas as câmaras de culto das mais ricas paredes de pedra. As famílias mais pobres imitam as ricas aplicando placas de cerâmica as paredes de seu santuário.
Embora cada família tenha pelo menos um de tais santuários, os rituais a eles associados não são cerimônias familiares, são cerimônias privadas e secretas. Os ritos, normalmente, são discutidos apenas com as crianças e, neste caso, somente o período em que estão sendo iniciadas em seus mistérios. Eu pude, contudo estabelecer contato suficiente com os nativos para examinar estes santuários e obter descrições dos rituais.
O ponto focal do santuário é uma caixa ou cofre embutido na parede. Neste cofre são guardados os inúmeros encantamentos e poções mágicas sem os quais nenhum nativo acredita que poderia viver. Estes preparados são conseguidos através de uma série de profissionais especializados, os mais poderosos dos quais são os médicos-feiticeiros, cujo auxílio deve ser recompensado com dádivas substanciais. Contudo, os médico-feiticeiros não fornecem a seus clientes poções de cura, só decidem quais devem ser seus ingredientes e então os escrevem em uma linguagem antiga e secreta. Esta escrita é entendida apenas pelos médicos-feiticeiros e pelos ervatários, os quais, em troca de outra dádiva, providenciam o encantamento necessário.
Os Nacirema não se desfazem do encantamento após seu uso, mas o colocam na caixa-de-encantamentos do santuário doméstico. Com estas substâncias mágicas são específicas para certas doenças e as doenças do povo, reais ou imaginárias, são muitas, a caixa-de-encantamentos está geralmente a ponto de transbordar. Os pacotes mágicos são tão numerosos que as pessoas esquecem quais são suas finalidades e temem usá-los de novo. Embora os nativos sejam muito vagos quanto a este aspecto, só podemos concluir que o que os leva a conservar todas as velhas substâncias é a idéia de que sua presença na caixa-de-encantamentos, em frente à qual são efetuados os ritos corporais, irá de alguma forma, proteger o adorador.
Abaixo da caixa-de-encantamentos existe uma pequena pia batismal. Todos os dias cada membro da família, um após o outro, entra no santuário, inclina sua fronte ante a caixa-de-encantamentos, mistura diferentes tipos de águas sagradas na pia batismal e procede a um breve rito de ablução. As águas sagradas vêem do Templo da Água da comunidade, onde sacerdotes executam elaboradas cerimônias para tornar o líquido ritualmente puro.
Na hierarquia dos mágicos profissionais, logo abaixo dos médicos-feiticeiros no que diz respeito ao prestígio, estão os especialistas cuja designação pode ser traduzida por “sagrados-homens-da-boca”. Os Nacirema tem um horror quase que patológico, e ao mesmo tempo uma fascinação, com relação à cavidade bucal, cujo estado acreditam ter uma influência sobrenatural em todas as relações sociais. Acreditam que, se não fosse pelos rituais bucais, seus dentes cairiam, suas gengivas sangrariam, suas mandíbulas se contrairiam, seus amigos os abandonariam e seus namorados os rejeitariam. Acreditam também na existência de uma forte relação entre as características orais e as morais: existe, por exemplo, uma ablução ritual da boca para as crianças que se supõe aprimorar sua fibra moral.
O ritual de corpo executados por cada Nacirema diariamente inclui um rito bucal. Apesar de serem tão escrupulosos no cuidado bucal este rito envolve uma prática que choca o estrangeiro não iniciado, que só pode considerá-lo como revoltante. Foi-me relatado que o ritual consiste na inserção de uma pequeno feixe de cerdas de porco na boca, juntamente com certos pós mágicos e então em movimentá-lo numa série de gestos altamente formalizados.
Além do ritual bucal privado, as pessoas procuram o mencionado sacerdote-da-boca uma ou duas vezes ao ano. Estes profissionais têm uma impressionante coleção de instrumentos consistindo de brocas, furadores, sondas e agulhões. O uso destes objetos no exorcismo dos demônios bucais envolve para o cliente, uma tortura ritual quase inacreditável. O sacerdote-da-boca abre a boca do cliente e, usando os instrumentos acima citados, alarga todas as cavidades que a degeneração possa ter produzido nos dentes. Nestas cavidades naturais nos dentes, grandes seções de um ou mais dentes são extirpados para que a substância sobrenatural possa ser aplicada. Do ponto de vista do cliente, o propósito destas aplicações é tolher a degeneração e atrair amigos. O caráter extremamente sagrado e tradicional do rito evidencia-se pelo fato de os nativos voltarem ao sacerdote-da-boca ano após ano, são obstante o fato de seus dentes continuarem a degenerar.
Esperamos que quando for realizado um estudo completo dos Nacirema, haja um inquérito cuidadoso sobre a estrutura de personalidade destas pessoas. Basta observar o fulgor nos olhos de um sacerdote-da-boca, quando ele enfia um furador num nervo exposto, para se suspeitar que este rito envolve uma certa dose de sadismo. Se isto puder ser comprovado, teremos um modelo muito interessante, pois a maioria da população demonstra tendências masoquistas bem definidas. Foi a estas tendências que o Prof. Linton se referiu na discussão de uma parte específica do rito corporal que é desempenhada apenas por homens. Esta parte do rito envolve raspar e lacerar a superfície da face com um instrumento afiado. Ritos especificamente femininos têm lugar apenas quatro vezes durante cada mês lunar, mas o que lhes falta em frequência é compensado em barbaridade. Como parte desta cerimônia, as mulheres assam suas cabeças em pequenos fornos por cerca de uma hora. O aspecto teoricamente interessante é que um povo que parece ser preponderantemente masoquista tenha desenvolvido especialistas sádicos.
Os médicos-feiticeiros tem um templo imponente ou “latipso”, em cada comunidade de certo porte. As cerimônias mais elaboradas, necessárias para tratar de pacientes muito doentes só podem ser executados neste templo. Estas cerimônias envolvem não apenas o taumaturgo, mas um grupo permanente de vestais que, com roupas e toucados específicos, se movimentam serenamente pelas câmaras do templo.
As cerimônias “latipso” são tão cruéis que é de surpreender que uma boa proporção de nativos realmente doentes que entram no templo se recuperam. Sabe-se que crianças pequenas, com uma doutrinação ainda incompleta resistem às tentativas de levá-las ao templo porque “é lá que se vai para morrer”. Apesar disto, adultos doentes não apenas querem mas anseiam por sofrer os prolongados rituais de purificação, quando possuem recursos para tanto não importa quão doente esteja o suplicante ou qual seja a emergência. Os guardiãs de muitos templos não admitirão um cliente se ele não puder dar uma dádiva valiosa para a administração. Mesmo depois de ter-se conseguido a admissão, e sobrevivido às cerimônias, os guardiãs não permitirão ao neófito abandonar o local se não fizer ainda outra doação.
O suplicante que entra no templo é primeiramente despido de todas as suas roupas. Na vida cotidiana o Nacirema evita a exposição de seu corpo e das suas funções naturais. As atividades excretoras e o banho, enquanto parte dos ritos corporais, são realizados apenas no segredo do santuário doméstico. Da perda súbita do segredo do corpo quando da entrada no “latipso”, podem resultar traumas psicológicos. Um homem cuja própria esposa nunca o viu em um ato excretor acha-se subitamente nu e auxiliado por uma vestal, enquanto executa suas funções naturais em um recipiente sagrado. Este tipo de tratamento cerimonial é necessário porque os excreta são usados por um adivinho para averiguar o curso e a natureza da enfermidade do cliente. Clientes do sexo feminino, por sua vez, tem seus corpos nus submetidos ao escrutínio, manipulação e aguilhoadas dos médicos-feiticeiros.
Poucos suplicantes no templo estão suficientemente bons para fazer qualquer coisa além de jazer em duros leitos. As cerimônias diárias, como os ritos sacerdote-da-boca, envolvem desconforto e tortura. Com precisão ritual, as vestais despertam seus miseráveis fardos a cada madrugada e os rolam em seus leitos de dor enquanto executam abluções, com os movimentos formais nos quais estas virgens são altamente treinadas. Em outras horas, elas inserem bastões mágicos na boca do suplicante ou o forçam a engolir substâncias que se supõe serem curativas. De tempos em tempos o médico-feiticeiro vem ver seus clientes e espeta agulhas magicamente tratadas em sua carne.
O fato de que estes cerimônias de templo possam não curar, e possam mesmo matar o neófito, não diminui de forma alguma a fé das pessoas no médico-feiticeiro.
Resta ainda um outro tipo de profissional, conhecido como um “ouvinte”. Este doutor-bruxo tem o poder de exorcizar os demônios que se alojam nas cabeças das pessoas enfeitiçadas. Os Naciremas acreditam que os pais enfeitiçam seus próprios filhos; particularmente, teme-se que as mães lancem uma maldição sobre as crianças enquanto lhes ensinam os ritos corporais secretos. A contra-mágica do doutor-bruxo é inusitada por sua carência de ritual. O paciente simplesmente conta ao “ouvinte” todos os seus problemas e temores, principiando pelas dificuldades iniciais que consegue rememorar. A memória demonstrada pelos Nacirema nestas sessões de exorcismo é verdadeiramente notável. Não é incomum um paciente deplorar a rejeição que sentiu, quando bebê, ao ser desmamado, e uns poucos indivíduos reportam a origem de seus problemas aos efeitos traumáticos de seu próprio nascimento.
Como conclusão, deve-se fazer referências a certas práticas que têm suas bases na estética nativa, mas que decorrem da aversão perversiva ao corpo natural e suas funções. Existem jejuns rituais para tornar as magras pessoas gordas, e banquetes cerimoniais para tornar gordas pessoas magras. Outros ritos são usados para tornar maiores os seios das mulheres que os têm pequenos, e torná-los menores quando são grandes. A insatisfação geral com o tamanho do seio é simbolizada no fato da forma ideal estar virtualmente além da escala de variação humana. Umas poucas mulheres, dotadas com um desenvolvimento hipermamário, são tão idolatradas que podem levar uma boa vida indo de cidade em cidade e permitindo aos embasbacados nativos, em troca de uma taxa, contemplarem-nos.
Já fizemos referências ao fato de que as funções excretoras são ritualizadas, rotinizadas e relegadas ao segredo. As funções naturais de reprodução são, da mesma forma, distorcidas. O intercurso sexual é tabu enquanto assunto, e é programado enquanto ato. São feitos esforços para evitar a gravidez, pelo uso de substâncias mágicas ou pela limitação do intercurso sexual e certas fases da lua. A concepção é na realidade, pouco freqüente. Quando grávidas, as mulheres vestem-se de modo a esconder seu estado. O parto tem lugar em segredo, sem amigos ou parentes para ajudar, e a maioria das mulheres não amamenta os seus rebentos.
Nossa análise da vida ritual dos Nacirema certamente demonstrou ser este povo dominado pela crença na magia. É difícil compreender como tal povo conseguiu sobreviver por tão longo tempo sob a carga que impôs sobre si mesmo. Mas até costumes tão exóticos quanto estes aqui descritos ganham seu real significado quando são encarados sob o ângulo relevado por Malinowski quando escreveu (1948-70):
“Olhando de longe e de cima, de nossos altos postos de segurança na civilização desenvolvida, é fácil perceber toda a crueza e irrelevância da magia. Mas sem seu poder e orientação, o homem primitivo não poderia ter dominado, como o fez, suas dificuldades práticas, nem poderia o homem ter avançado aos estádios mais altos da civilização.”

FONTE:
http://www.ebah.com.br/content/ABAAAATwQAJ/ritos-corporais-entra-os-naciremas

segunda-feira, 16 de julho de 2012


Li no blog do Altino, mas vale reproduzir:

POR JOSÉ RIBAMAR BESSA FREIRE

O tratamento que a mídia deu à morte do cardeal dom Eugenio Sales, ocorrida na última segunda-feira, com direito à pomba branca no velório, me fez lembrar o filme alemão "Uma cidade sem passado", de 1990, dirigido por Michael Verhoven. Os dois casos são exemplos típicos de como o poder manipula as versões sobre a história, promove o esquecimento de fatos vergonhosos, inventa despudoradamente novas lembranças e usa a memória, assim construída, como um instrumento de controle e coerção.

Comecemos pelo filme, que se baseia em fatos históricos. Na década de 1980, o Ministério da Educação da Alemanha realiza um concurso de redação escolar, de âmbito nacional, cujo tema é "Minha cidade natal na época do III Reich". Milhares de estudantes se inscrevem, entre eles a jovem Sônia Rosenberger, que busca reconstituir a história de sua cidade, Pfilzing – como é denominada no filme – considerada até então baluarte da resistência antinazista.

Mas a estudante encontra oposição. As instituições locais de memória – o arquivo municipal, a biblioteca, a igreja e até mesmo o jornal Pfilzinger Morgen – fecham-lhe suas portas, apresentando desculpas esfarrapadas. Ninguém quer que uma "judia e comunista" futuque o passado. Sônia, porém, não desiste. Corre atrás. Busca os documentos orais. Entrevista pessoas próximas, familiares, vizinhos, que sobreviveram ao nazismo. As lembranças, contudo, são fragmentadas, descosturadas, não passam de fiapos sem sentido.

A jovem pesquisadora procura, então, as autoridades locais, que se recusam a falar e ainda consideram sua insistência como uma ameaça à manutenção da memória oficial, que é a garantia da ordem vigente. Por não ter acesso aos documentos, Sônia perde os prazos do concurso. Desconfiada, porém, de que debaixo daquele angu tinha caroço – perdão, de que sob aquele chucrute havia salsicha – resolve continuar pesquisando por conta própria, mesmo depois de formada, casada e com filhos, numa batalha desigual que durou alguns anos.

Hostilizada pelo poder civil e religioso, Sônia recorre ao Judiciário e entra com uma ação na qual reivindica o direito à informação. Ganha o processo e, finalmente, consegue ingressar nos arquivos. Foi aí, no meio da papelada, que ela descobriu, horrorizada, as razões da cortina de silêncio: sua cidade, longe de ter sido um bastião da resistência ao nazismo, havia sediado um campo de concentração. Lá, os nazistas prenderam, torturaram e mataram muita gente, com a cumplicidade ou a omissão de moradores, que tentaram, depois, apagar essa mancha vergonhosa da memória, forjando um passado que nunca existiu.

Os documentos registraram inclusive a prisão de um judeu, denunciado na época por dois padres, que no momento da pesquisa continuavam ainda vivos, vivíssimos, tentando impedir o acesso de Sônia aos registros. No entanto, o mais doloroso, era que aqueles que, ontem, haviam sido carrascos, cúmplices da opressão, posavam, hoje, como heróis da resistência e parceiros da liberdade. Quanto escárnio! Os safados haviam invertido os papéis. Por isso, ocultavam os documentos.

Deus tá vendo
E é aqui que entra a forma como a mídia cobriu a morte do cardeal dom Eugênio Sales, que comandou a Arquidiocese do Rio, com mão forte, ao longo de 30 anos (1971-2001), incluindo os anos de chumbo da ditadura militar. O que aconteceu nesse período? O Brasil já elegeu três presidentes que foram reprimidos pela ditadura, mas até hoje, não temos acesso aos principais documentos da repressão.
Se a Comissão Nacional da Verdade, instalada em maio último pela presidente Dilma Rousseff, pudesse criar, no campo da memória, algo similar à operação "Deus tá vendo", organizada pela Policia Civil do Rio Grande do Sul, talvez encontrássemos a resposta. Na tal operação, a Polícia prendeu na última quinta-feira quatro pastores evangélicos envolvidos em golpes na venda de automóveis. Seria o caso de perguntar: o que foi que Deus viu na época da ditadura militar?

Tem coisas que até Ele duvida. Tive a oportunidade de acompanhar a trajetória do cardeal Eugênio Sales, na qualidade de repórter da ASAPRESS, uma agência nacional de notícias arrendada pela CNBB em 1967. Também, cobri reuniões e assembleias da Conferência dos Bispos para os jornais do Rio – O Sol, O Paiz e Correio da Manhã, quando dom Eugênio era Arcebispo Primaz de Salvador. É a partir desse lugar que posso dar um modesto testemunho.

Os bispos que lutavam contra as arbitrariedades eram Helder Câmara, Waldir Calheiros, Cândido Padin, Paulo Evaristo Arns e alguns outros mais que foram vigiados e perseguidos. Mas não dom Eugênio, que jogava no time contrário. Um dos auxiliares de dom Helder, o padre Henrique, foi torturado até a morte em 1969, num crime que continua atravessado na garganta de todos nós e que esperamos seja esclarecido pela Comissão da Verdade. Padres e leigos foram presos e torturados, sem que escutássemos um pio de protesto de dom Eugênio, contrário à teologia da libertação e ao envolvimento da Igreja com os pobres.

O cardeal Eugenio Sales era um homem do poder, que amava a pompa e o rapapé, muito atuante no campo político. Foi ele um dos inspiradores das "candocas" – como Stanislaw Ponte Preta chamava as senhoras da CAMDE, a Campanha da Mulher pela Democracia. As "candocas" desenvolveram trabalhos sociais nas favelas exclusivamente com o objetivo de mobilizar setores pobres para seus objetivos golpistas. Foram elas, as "candocas", que organizaram manifestações de rua contra o governo democraticamente eleito de João Goulart, incluindo a famigerada "Marcha da família com Deus pela liberdade", que apoiou o golpe militar, com financiamento de multinacionais, o que foi muito bem documentado pelo cientista político René Dreifuss, em seu livro "1964: A Conquista do Estado" (Vozes, 1981). Ele teve acesso ao Caixa 2 do IPES/IBAD.

Nós, toda a torcida do Flamengo e Deus que estava vendo tudo, sabíamos que dom Eugênio era, com todo o respeito, o cardeal da ditadura. Se não sofro de amnésia – e não sofro de amnésia ou de qualquer doença neurodegenerativa – posso garantir que na época ele nem disfarçava, ao contrário manifestava publicamente orgulho do livre trânsito que tinha entre os militares e os poderosos.
"Quem tem dúvidas…basta pesquisar os textos assinados por ele no JB e n'O Globo" – escreve a jornalista Hildegard Angel, que foi colunista dos dois jornais e avaliou assim a opção preferencial do cardeal:

"A Igreja Católica, no Rio, sob a égide de dom Eugenio Salles, foi cada vez mais se distanciando dos pobres e se aproximando, cultivando, cortejando as estruturas do poder. Isso não poderia acabar bem. Acabou no menor percentual de católicos no país: 45,8%…"

Portões do Sumaré
Por isso, a jornalista estranhou – e nós também – a forma como o cardeal Eugenio Sales foi retratado no velório pelas autoridades. Ele foi apresentado como um combatente contra a ditadura, que abriu os portões da residência episcopal para abrigar os perseguidos políticos. O prefeito Eduardo Paes, em campanha eleitoral, declarou que o cardeal "defendeu a liberdade e os direitos individuais". O governador Sérgio Cabral e até o presidente do Senado, José Sarney, insistiram no mesmo tema, apresentando dom Eugênio como o campeão "do respeito às pessoas e aos direitos humanos".

Não foram só os políticos. O jornalista e acadêmico Luiz Paulo Horta escreveu que dom Eugênio chegou a abrigar no Rio "uma quantidade enorme de asilados políticos", calculada, por baixo, numa estimativa do Globo, em "mais de quatro mil pessoas perseguidas por regimes militares da América do Sul". Outro jornalista, José Casado, elevou o número para cinco mil. Ou seja, o cardeal era um agente duplo. Publicamente, apoiava a ditadura e, por baixo dos panos, na clandestinidade, ajudava quem lutava contra. Só faltou arranjarem um codinome para ele, denominado pelo papa Bento XVI como "o intrépido pastor".

Seria possível acreditar nisso, se o jornal tivesse entrevistado um por cento das vítimas. Bastaria 50 perseguidos nos contarem como o cardeal com eles se solidarizou. No entanto, o jornal não dá o nome de uma só – umazinha – dessas cinco mil pessoas. Enquanto isto não acontecer, preferimos ficar com o corajoso depoimento de Hildegard Angel, cujo irmão Stuart, foi torturado e morto pelo Serviço de Inteligência da Aeronáutica. Sua mãe, a estilista Zuzu Angel, procurou o cardeal e bateu com a cara na porta do palácio episcopal.

Segundo Hilde, dom Eugênio "fechou os olhos às maldades cometidas durante a ditadura, fechando seus ouvidos e os portões do Sumaré aos familiares dos jovens ditos "subversivos" que lá iam levar suas súplicas, como fez com minha mãe Zuzu Angel (e isso está documentado)". Ela acha surpreendente que os jornais queiram nos fazer acreditar "que ocorreu justo o contrário!", como no filme "Uma cidade sem passado".

Mas não é tão surpreendente assim. O texto de Hildegard menciona a grande habilidade, em vida, de dom Eugenio, em "manter ótimas relações com os grandes jornais, para os quais contribuiu regularmente com artigos". As azeitadas relações com os donos dos jornais e com alguns jornalistas em postos-chave continuaram depois da morte, como é possível constatar com a cobertura do velório. A defesa de dom Eugênio, na realidade, funciona aqui como uma autodefesa da mídia e do poder.

Os jornais elogiaram, como uma virtude e uma delicadeza, o gesto do cardeal Eugenio Sales que cada vez que ia a Roma levava mamão-papaia para o papa João Paulo II, com o mesmo zelo e unção com que o senador Alfredo Nascimento levava tucumã já descascado para o café da manhã do então governador Amazonino Mendes. São os rituais do poder com seus rapapés.

"Dentro de uma sociedade, assim como os discursos, as memórias são controladas e negociadas entre diferentes grupos e diferentes sistemas de poder. Ainda que não possam ser confundidas com a "verdade", as memórias têm valor social de "verdade" e podem ser difundidas e reproduzidas como se fossem "a verdade" – escreve Teun A. van Dijk, doutor pela Universidade de Amsterdã.

A "verdade" construída pela mídia foi capaz de fotografar até "a presença do Espírito Santo" no funeral. Um voluntário da Cruz Vermelha, Gilberto de Almeida, 59 anos, corretor de imóveis, no caminho ao velório de dom Eugênio, passou pelo abatedouro, no Engenho de Dentro, comprou uma pomba por R$ 25 e a soltou dentro da catedral. A ave voou e posou sobre o caixão: "Foi um sinal de Deus, é a presença do Espírito Santo" – berraram os jornais. Parece que vale tudo para controlar a memória, até mesmo estabelecer preço tão baixo para uma das pessoas da Santíssima Trindade. É muita falta de respeito com a fé das pessoas.

"A mídia deve ser pensada não como um lugar neutro de observação, mas como um agente produtor de imagens, representações e memória" nos diz o citado pesquisador holandês, que estudou o tratamento racista dispensado às minorias étnicas pela imprensa europeia. Para ele, os modos de produção e os meios de produção de uma imagem social sobre o passado são usados no campo da disputa política.

Nessa disputa, a mídia nos forçou a fazer os comentários que você acaba de ler, o que pode parecer indelicadeza num momento como esse de morte, de perda e de dor para os amigos do cardeal. Mas se a gente não falar agora, quando então? Stuart Angel e os que combateram a ditadura merecem que a gente corra o risco de parecer indelicado. É preciso dizer, em respeito à memória deles, que Dom Eugênio tinha suas virtudes, mas uma delas não foi, certamente, a solidariedade aos perseguidos políticos para quem os portões do Sumaré, até prova em contrário, permaneceram fechados. Que ele descanse em paz!

P.S: O jornalista amazonense Fábio Alencar foi quem me repassou o texto de Hildegard Angel, que circulou nas redes sociais. O doutor Geraldo Sá Peixoto Pinheiro, historiador e professor da Universidade Federal do Amazonas, foi quem me indicou, há anos, o filme "Uma cidade sem passado". Quem me permitiu discutir o conceito de memória foram minhas colegas doutoras Jô Gondar e Vera Dodebei, organizadoras do livro "O que é Memória Social" (Rio de Janeiro: Contra Capa/ Programa de Pós- Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2005). Nenhum deles tem qualquer responsabilidade sobre os juízos por mim aqui emitidos.

José Ribamar Bessa Freire e professor, coordena o Programa de Estudos dos Povos Indígenas (UERJ) e pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Memória Social (UNIRIO)

segunda-feira, 30 de abril de 2012


“Sou do tempo que..

● não existia orkut;
● meninas de 11 anos brincavam de boneca;
● meninos de 13 anos assistiam Cavaleiros do Zodíaco e Dragon Ball Z;
● existia Chiquititas e não Rebelde;
● Plutão ainda era um planeta;
● festas de 15 anos não eram eventos;
● maquiagem era coisa de gente grande;
● fotos não eram tiradas para serem colocadas no orkut e sim para recordarem um momento;
● crianças tinham Tamagotchi e não celular...’’


“Descobri o segredo da felicidade, você promete guardar?
- Eu prometo!
- Sonhei que eu podia andar sobre as águas…
- E como foi a sensação?
- Como se as ondas do mar tivessem levado todos os meus problemas e relembrado todos os momentos especiais.
- Então andar sobre as águas é o segredo da felicidade?
- Não, o segredo é sonhar”